sexta-feira, 30 de outubro de 2015

BATOM E BLUSH


A jovem vendedora da loja de cosméticos começou, então, a passar nos meus cílios um preparado branco, especial para seu alongamento. Com cuidado, depois, passou a cor propriamente dita: um tom de marrom. Foram poucos e precisos gestos com um sorriso nos lábios que acompanhavam as falas da minha cunhada que fazia brincadeiras com a situação.

Depois do almoço, meio cansada e com a face com certeza desbotada, por uma manhã agitada, era interessante a ideia de ver meus olhos delineados de outra forma, mais cheios, mais bonitos, mais qualquer coisa.

Olhei-me e o espelho diria em seguida que ela tinha feito um grande trabalho. Fiquei entusiasmada. E continuei a acompanhar minha cunhada pela exploração das novidades em matéria de cosméticos. Tínhamos o tempo.

Potes pincéis, tubos, caixinhas e outras caixas, esponjas, tralha para tudo e todos os gostos. Era uma aventura por brilhos, cores, espessuras e promessas de  beleza. Coisas femininas demais para a bisbilhotice de qualquer olhar masculino  naquele momento.

Lá foi minha cunhada, então,  experimentar um novo batom, com um brilho especial para tornar os lábios mais grossos.E, com atenção quase religiosa, escolhemos as cores que mais se adequariam à nossa pele e roupa. Tom de rosa para ela e de vermelho-tomate para mim. Mais um outro pormenor: o lápis do tom do batom.  Foi aberto então espaço para a ponta de lápis colorido nos lábios, antes do brilho propriamente dito.

Ritual cheio de detalhes importantes, todos significativos demais naquele tempo de transformação em que o feminino flutua entre o divino e o diabólico, buscando o equilíbrio exato sem romper com as hierarquias e sem deixar de tocar os mitos mais fecundos.

“Ainda faltava algo...” - confabularam a atendente e a cunhada, agitadíssimas, olhando para mim, possivelmente percebendo que haviam ganhado o meu compromisso no ritual - rebelde mais que descrente que eu era no início...  Faltavam o delineador nos olhos e o blush nas faces. E lá foi a mão delicada riscar as pálpebras nos lugares certos, desenhando os traços que dariam mais luz aos olhos agora mais que vivos. No meio da face, alguns toques com o pincel farto. Pronto. A maquiagem estava completa !

E o espelho não negou. Eu via outra mulher refletida à minha frente. Olhei-me então de verdade. Estava muito mudada. Era outra quando havia entrado naquele salão de requinte quase oitocentista (ou seria um laboratório de alquimia medieval ?).

Havia se formado uma confraria entre três mulheres a serviço do feminino. Mas agora eu queria mais além dessa experiência de lindeza.

Uma animação vinda de dentro. Uma sensação de euforia me habitava então. Eu flutuava naquela sensação, ao suspender um tanto a normalidade do dia-a-dia.

E num momento de fantasia, - bêbeda de encantamento.- pela beleza que me fora presenteada, dei-me também a poesia. Voei até a memória mais próxima de um homem que um dia se aproximou de mim e me fez sonhar com a possibilidade do amor. Uma forma de amor, qualquer forma, qualquer amor.

Possível príncipe que ficou no quase, no intervalo, na pequena diferença,- interstício fundamental para se atingir o espasmo de vida que conecta com o maior da natureza humana- hoje, ele tomou da minha mão e fomos.

E fomos tomar vinho (ou era cerveja?) e navegamos  no tempo em que as utopias ainda eram pródigas com a juventude  e  sonhávamos com um mundo melhor em que não houvesse sofrimento nenhum, somente contatos bons entre amigos, cidadãos e governos, pais e filhos, pessoas e amantes.

E fui feliz por receber seus beijos sem perceber o cheiro de cigarro – e, sem sentir  medos da entrega e da perda de mim. Sem tolher movimentos, em contato com o toque carinhoso.

E ele me ouviu e captou o que eu quis dizer e entendeu além das palavras que não precisaram ser ditas, pois antes de proferi-las ele já as tinha ouvido porque partiam do meu coração.

E foi assim sem censura, sem cheiro, sem dados de dura realidade, espasmo de vida, cúmulo de alegria, em nome da beleza que eleva moralmente  homens e mulheres em sua humanidade, e em nome da poesia que é mais que tudo amor, que pudemos receber e dar um ao outro o que é essencial.

E, pulo no escuro, salto no precipício, metáfora da cumplicidade, intimidade na miséria humana que se transforma em generosidade maior, milagre da beleza e do amor, pudemos então nos olhar como homem e mulher,  sem culpa de ser felizes.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

CURSO ON LINE DE PSICOLOGIA JUNGUIANA

ESTE É UM CURSO INTRODUTÓRIO, com alguns dos aspectos centrais da Psicologia Analítica. São oito módulos, as aulas são gravadas em vídeos, e acompanhadas de slides em PDF e uma apostila com ampla bibliografia. Você poderá assisti-lo em sua casa, e no seu próprio ritmo! O conteúdo é apresentado de forma simples e didática, e é acessível para qualquer pessoa. Foi pensado para terapeutas, psicólogos que desejam conhecer melhor os fundamentos desta fascinante escola, e também para aqueles que desejam investir em seu autoconhecimento!
Para ter mais informações, acesse o link: www.cursojungonline.com.br

INTRODUÇÃO E CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
JUNG
Hoje estamos comemorando 140 do nascimento de Carl Gustav Jung, que nasceu em 1875, na Suíça. Aos 25 anos Jung formou-se em medicina e trabalhou como psiquiatra durante bastante tempo com doentes mentais em estado grave.
JUNG posteriormente elaborou os conceitos de chamada PSICOLOGIA ANALÍTICA (ou junguiana) a partir de observações minuciosas dos pacientes psiquiátricos, assim como dos pacientes da sua clínica particular e também a partir de seus próprios processos internos, fossem estes visões, sonhos ou intuições. Isso tudo, sem dúvida, somado a uma rara Inteligência e uma cultura extraordinária, pois sua mente curiosa se voltou para inúmeros assuntos e que nós vamos ver no decorrer das nossas aulas.
No início do século XX, nós assistimos ao nascimento do que se chamou de Psicologia Profunda. Jung com a Psicologia Analítica e Freud com a Psicanálise foram os precursores desse movimento, e essas duas escolas tinham como objetivo central desvendar e compreender tudo aquilo que é irracional, desconhecido no ser humano, ou seja, o seu INCONSCIENTE. A medicina já havia avançado em temas como fisiologia e anatomia, mas a psique humana ainda era um grande mistério a ser desvendado.
Módulo I : Histórico sobre vida Jung
Você vai saber sobre o modelo de ciência que vigorava na Europa no início do século XX. Como se deu o nascimento da Psicologia Analítica. Fatos importantes na vida de Jung, suas áreas de interesse, suas viagens e as suas principais publicações.

No módulo II : Complexos
Você vai poder encontrar algumas explicações importantes para entender melhor como funcionam as emoções, e o que está condiciona determinados tipos de ações. Houve algum tipo de trauma na infância? E como detectar certos gatilhos ou padrões de comportamento que podem ser modificados. Em que áreas da vida as coisas costumam ficar emperradas?
Módulo III: Arquétipos e Inconsciente Coletivo
Você vai entrar em contato com imagens e símbolos muito poderosos que habitam a nossa psique. Essas imagens são universais, comuns a toda humanidade, e por isso têm tanta força. E vai poder observar o poder que elas têm em nossa vida objetiva, e o quanto isso pode enriquecer sua existência e a nossa forma de entender o mundo.


Módulo IV: Sombra
Você vai poder perceber mais rapidamente que algumas reações negativas que acontecem inesperadamente tem a ver com padrões mentais ou emocionais antigos, sombrios, desconhecidos e que exatamente por isso estão sempre atuando de forma inconsciente, negativa ou inadequada, atrapalhando as escolhas e o destino de cada um. Como é possível aprender a elaborar, e integrar esse difícil aspecto na sua consciência?
Módulo V: Tipos psicológicos
Você tem nesta teoria uma tipologia muito interessante para saber, segundo Jung, como funciona a mente humana, de acordo com as chamadas 4 funções da consciência: pensamento, sentimento, sensação e intuição. A importância de entender a sua função dominante, entender as reais diferenças entre as pessoas, melhorar todas as formas de relacionamentos.
Módulo VI: Individuação
Você terá a oportunidade de compreender que existe um processo evolutivo, e que a caminhada de vida, com dores e alegrias, tem um propósito, uma finalidade, que é conhecer a si mesmo, desenvolver suas habilidades e talentos.
Módulo VII: Sincronicidade
Você é capaz de identificar situações e eventos significativos que mostram quando alguém está no caminho certo, e que a vida interna e a vida externa caminham juntas, não são coincidências só que acontecem de forma aleatória. Ou seja, sim, a vida tem um sentido.
Módulo VIII: Sonhos. O que são os sonhos e o que eles querem nos dizer? Suas mensagens são realmente importantes? Qual a importância de estarmos conectados com a nossa vida simbólica e inconsciente? Como podemos entender a linguagem das imagens fantásticas que criamos todas as noites?
MINHAS CREDENCIAIS:
Tenho formação em Psicologia, e atuo como psicóloga clínica há mais de 20 anos. Fiz pós- graduação em psicossomática e curso de extensão em terapias complementares, ou seja, a importância da integração entre mente, corpo e espiritualidade na UNIFESP.
Ao longo destes anos, escrevi vários artigos para a Revista Planeta da Editora Três, e para a Editora Talento, sobre mitologia, astrologia e comportamento que são minhas outras áreas de interesse. Assino o blog www.blissnow.com.br onde escrevo e compilo textos relacionados a estes temas. Sou colaboradora da Editora Pensamento. E.mail para contato: tekav@uol.com.br ou contato@cursojungonline.com.br



quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CRÍTICA DE CINEMA, ALGUMAS ANOTAÇÕES

A crítica, oras bolas! Polêmica, esnobe, fora do mundo real, paralela à linguagem das pessoas normais. Conhecemos esse senso quase comum. Mas, ela está lá. Lemos. Necessitamos, queremos. O que é e para que serve ela?
É um viés intermediário, ponte entre a simples leitura e uma mais ampla compreensão. É outra leitura possível a partir da descrição e análise de algum dos recursos do cinema. Daí, é necessário um pouco mais. Ir para o centro da obra, dar com o enigma do filme, descobrir a escondida intenção de seu autor. Ela deve tornar visível o que não é explícito. E o aspecto técnico não deve ser prioritário, segundo Inácio Araújo.
Trata-se de outro tipo de leitura com postura que pode ser de amor. Isso é o que nos diz Jean Douchet. Segundo ele, o aspecto estético pode ser o primeiro limite a nos mover, mas ele deve ser apenas o primeiro. Ele nos instiga para irmos além do silêncio que podemos experimentar perante o êxtase de beleza de uma obra.
Em seguida, para melhor entender esse fazer crítico vêm em nossa ajuda Roland Barthes e Manoel de Oliveira oferecendo também seus caminhos.
O primeiro nos traz a fotografia que é arte umbilicalmente ligada ao cinema. Roland Barthes diz: “Se verdadeiramente se quer falar da fotografia em nível sério, temos que colocá-la em relação com a morte. É verdade que a fotografia é uma testemunha, mas uma testemunha do que já não existe” . Eis a fotografia vista como um enigma fascinante e fúnebre. Esse é também um aspecto do cinema, que nos apresenta uma realidade que é presença ausente, ressurreição.
A segunda referência para aumentar nossa compreensão vem da análise de um filme de Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica. Não por acaso, a personagem é um fotógrafo às voltas com as descobertas da fotografia e da morte. A personagem é posta em conflito na descoberta do sentido da morte e do amor, tudo para aclarar a vida. Entramos nesta obra e testemunhamos a criação de um mundo de sonho e de amor, de morte e de revelação, a partir do mundo da fotografia que nos indica realidades paralelas, amplificação, redundância. Há um enigma nesse filme a ser desvendado. Pela fotografia e pela técnica, pela narração de uma história. Humana e estranha. Como a vida, como a morte.
Diz Douchet que “O único interesse da crítica consiste em tentar efetuar o ato criador inversamente. A partir da casca, sentir e revelar a seiva que a fez nascer.”

Não há certeza de que tenhamos ou sequer possamos atingir a essência do gesto criador de Manoel de Oliveira nesse filme. Mas a leitura crítica será sempre assim inconformada e rebelde em direção à maior e mais significativa compreensão de um filme.
Ainda que insatisfeita, essa travessia, salto além do simplesmente possível, é o que de melhor temos perante a grande obra. Quanto maior a obra, maior a insatisfação da crítica. Mesmo assim, fará valer mais a leitura, a fruição do filme, o nosso tempo.
PS: As informações desse texto foram coletadas no primeiro encontro do curso de Crítica de Cinema ministrado por Inácio de Araújo, na Escola de Cinema em 8/10/2015. São Paulo. Também nas leituras de Roland Barthes, El Grano de la Voz(Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2013) e em Jean Douchet, A Estranha Obsessão (Cahiers du Cinéma, 122, ago1961. Tradução de Bruno Andrade).
Inácio Araújo, crítico de cinema.  http://cursoinacioaraujo.blogspot.com.br/


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

ECLIPSES, UMA OUTRA PERSPECTIVA

No livro Spiritual Astrology, Jan Spiller and Karen Mc Coy escrevem sobre a manifestação dos eclipses pré-natais lunar e solar.
Segundo elas “Os eclipses pré-natais têm uma profunda influência na vida do bebê ainda por nascer. E o modelo da energia dispensada durante estes eclipses segue a pessoa pelo resto de sua vida. ”
Trata-se de uma abordagem diferente e original, que poderá fazer sentido nas análises de mapas pessoais se relacionarmos os significados essenciais dos signos aos eclipses e depois às metas de vida.

As autoras nos dizem que “para a maioria das pessoas, o signo do solar eclipse pré-natal indica as lições que o indivíduo vai ensinar a seus próximos. Enquanto o signo do eclipse lunar o guia para as lições que eles precisam aprender para continuar o crescimento de sua alma. ”

Elas acrescentam que o signo solar do eclipse pré-natal indica a tarefa a ser feita relacionada a um destino universal. Podemos identificar através deles “um pacto estabelecido com o universo na troca pelo privilégio de termos um corpo e estarmos no planeta. ” . O signo lunar indicaria o que a pessoa deve receber para poder desenvolver sua missão.

E elas se alongam em descrições das relações entre os significados dos signos com as missões ligadas aos eclipses.


Não será difícil a quem quiser fazer a pesquisa no próprio mapa descobrir em tábuas de efemérides ou outros recursos os eclipses pré-natais pessoais. Trata-se de um dado enriquecedor.
Na primeira parte do livro há abordagem a respeito de planetas, signos e casas. A segunda parte dele é um capítulo inteiro sobre os eclipses pré-natais. Na terceira, temos tábuas com as colocações dos eclipses.
Esse livro é leitura importante para todos os que se interessam por eclipses.

(New York: Fleet Press Corporation, 1988) 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O MOSTEIRO E O RIO MONDEGO

           
I A PRIMEIRA VISITA: O EDIFÍCIO ÁS MARGENS DO MONDEGO

De longe, avistei uma imagem impressionante: uma grande construção medieval à beira do rio. Aquele edifício não fazia parte das visitas previstas. Mas tive que andar duas centenas de metros para ver de perto. Eu não podia deixar para depois. Eu teria o tempo para essa pequena aventura sem sair do esquema do grupo.

mosteiro_2a_lucas_set15.jpg
O chão era seco e arenoso, mas mostrava que as águas do rio tinham tomado conta do espaço, invadindo a construção. As colunas e paredes tinham areia pela metade de sua altura. Me perdi entre elas. Afundei no silêncio daqueles vãos abandonados. Tudo tinha a imponência de um tempo em que o homem conversava com Deus através das construções de suas igrejas. Uma ansiedade tomava meu corpo enquanto minhas pernas percorriam os cantos procurando descobrir algo que ainda estivesse por lá, esquecido. O teto estava muito perto. Tive o desejo de tocá-lo com as mãos. Era como se Deus também estivesse mais perto. Era oração o que me vinha da mente e do coração.

A viagem seguiu seu caminho, mas aqueles instantes permaneceram comigo em delicada lembrança. Com quem eu poderia trocar tais emoções?
 

II A SEGUNDA VISITA: AVIDA DAS MONJAS
 
Foi então que ao voltar à cidade de Coimbra pedi à amiga que me hospedava se ela poderia me indicar como chegar naquele lugar que colara na minha memória. Ela, sem adiantar nada, disse que talvez soubesse a que eu me referia.   

Perto do local, ela foi me passando algumas informações sobre o restauro do Mosteiro de Santa Clara, a Velha. Não mais encontrei a ponte que eu tive que descer ladeando um pedaço íngreme terreno para alcançar o edifício em ruínas. Os pedaços que sobraram na memória daquela visita não passavam de sensações e imagens vagas. Essas antigas peças hoje não mais cabiam lá. Outro jogo do tempo, novo tabuleiro.

Mesmo assim, coração acelerou com ansiedade. A cena ainda era grandiosa. Um terreno imenso, cheio de caminhos por uma grama bem cuidada. O mosteiro que tinha sido recuperado das areias invasoras ficava de um lado, enquanto do outro se avistava o museu. Ao lado do mosteiro, os achados arqueológicos do projeto inicial. Aos poucos fui me inteirando das personagens que deram vida a esse edifício de aparência românica com aspectos góticos em sua arquitetura.

A fundação do Mosteiro de Santa Clara deu-se no final do século XIII, sob influência das ideias de São Francisco de Assis e de Santa Clara. Disputas políticas delongou o processo de sua construção. Somente em 1330, ele foi consagrado pelo bispo de Coimbra, depois de ter contado com a intervenção da Rainha Isabel de Aragão que realizou o projeto do mosteiro e de um hospital com capela e cemitério para os pobres.

Mas, as cheias do rio Mondego se repetiriam muitas vezes o que gerou obras para alteamento do terreno e, no início do século XVII, uma edificação de andar superior. Deixar o andar inferior foi o primeiro passo para o total abandono que ocorreu em 1677 quando houve a mudança para o Mosteiro de Santa Clara, a Nova.


Ao longo do tempo, o rio foi tomando conta dos espaços de todo o conjunto de edifícios e do mosteiro. Os sedimentos acumulados do rio deixavam apenas a parte superior da igreja visível. Foram mais de três séculos nesse desamparo que eu pude testemunhar. Nos anos 90 do séc. XX, o trabalho de restauro do terreno e das construções se organizou.

Um museu de concepção moderna, com cor cinza das paredes e vinho nas ilustrações recebem o visitante com bom gosto e divulgam dados a respeito da vida que havia nesse mosteiro. Há peças que compunham a vida do claustro e painéis com detalhes da vida monástica e de sua relação com a comunidade.

mosteiro_3a_lucas_set15.jpgA arqueologia da clausura e a Regra também foram escavadas. A céu aberto, um painel contava sobre o noviciado e a profissão de fé, de como a noviça renunciava às vaidades mundanas, cortando os cabelos antes de envergar o hábito. Ao ler esse relato, não senti arrepios na coluna. Ao invés disso, me deparei com sensação de afinidade por aquelas jovens que viviam tal escolha. Nem sempre por opção própria, imagino.


Mas, como havia um hospital junto a esse mosteiro, - e a universidade em Portugal estava no início de seu funcionamento -, temos dados sobre como a medicina era exercida naquela época. Um dos painéis dizia que a teoria dos humores e da arte de curar, desde os sécs. V e IV a.c. até o século XVII, eram a base do ensino e da prática da medicina. Os escritos de Hipócrates, Galeno e Avicena imperaram nos estudos médicos da Universidade de Coimbra, e suas obras são debatidas no exame para físico. Não esqueçamos que a função de médico tinha na Idade Média a denominação de físico.

FECHANDO CICLOS


mosteiro_1a_lucas_folheto_set15__edt_.jpgTodas essas informações eram ecos de um passado longínquo, atualizados em um tempo presente que reverencia a memória. Na minha solidão de pesquisadora, amante das narrativas e da história humana, fui encontrando cumplicidade com os dados que me foram oferecidos neste tempo presente. Senti saudades da construção da primeira visita. Mas também como não sentir alegria em ver tudo resgatado? Um paradoxo que pelo visto não terá solução.


Mas fechei um ciclo. Tive uma resposta da vida, conduzida por caminhos impensados. Por isso, juntei as personagens daqueles relatos em um momento de congraçamento: o bispo que consagrou mosteiro, a rainha Santa Dona Isabel de Aragão, Pedro Nunes o médico e astrônomo. Acrescentei ao grupo as monjas e a amiga, por cuja mão retornei ao mosteiro. Tudo em nome da alegria e por agradecimento ao movimento generoso da vida respondendo a perguntas que eu nem tinha feito. Estávamos todos em um mesmo patamar indeterminado daquele mosteiro. Um tempo sem tempo.

      
Ouroboros aconteceu e o começo se encontrou renovado no final. Diferente em muitos aspectos, mas expondo o que permanecera calado nos escondidos dos tempos: um pouco daquelas experiências de vida e de cultura histórica. Na verdade, o tempo parou e se revelou. Um momento de eternidade e de paz.


PS: Visite os links abaixo para mais informações acerca do Mosteiro.
https://www.youtube.com/watch?v=HfDMfZAERh4   Documentário em 6min30, a respeito do Mosteiro e de sua recuperação, por Artur Corte Real, Diretor do Mosteiro. Depois de séculos de abandono e de uma complexa operação arqueológica, o projecto de requalificação de Santa Clara-a-Velha devolve o Mosteiro à cidade de Coimbra. Finalmente aberto ao público.
 
Vídeo de 5min44 de belas imagens e  música de Ennio Morricone: Ave Maria Guarani.