quinta-feira, 29 de setembro de 2016

ASTROLOGIA E ALQUIMIA

Em agosto último, aconteceu um workshop de final de semana organizado pela Faculty of Astrological Studies. Fazia parte do Summer School que ocorre todos os anos em Oxford e que apresenta também além desse intenso final de semana mais cinco dias de aulas dos módulos da formação profissional do astrólogo pela faculdade de Londres. 

A responsável pelo trabalho foi Clare Martin astróloga inglesa é professora e palestrante com mais de vinte e cinco anos de experiência profissional que administra o Mercury Internet School of Psychological Astrology. Visite http://www.claremartin.net
 
aproximando astrologia e alquimia

O conteúdo do seminário passou inicialmente pela história da alquimia. Foram citados apenas os nomes desse viés histórico que apresentavam afinidades com a abordagem que a professora escolheu.

Então ela expôs a Tábua Esmeralda de Hermes com reflexões sobre seus significados para a alquimia. Falou também sobre o que se designa como “Grande Obra” ( The Magnum Opus) em que a matéria prima, caótica, se apresenta em opostos ainda em conflito. Será em etapas transformada em harmonia perfeita.

Sabemos que os vários estudiosos do assunto têm organizado esse complexo processo em três, quatro ou sete e até doze etapas. Ela simplificou em algumas - apenas quatro -, relacionando tais etapas com os elementos tais como nós os conhecemos na astrologia : terra, fogo, ar e água. Daí então estabeleceu as relações com os planetas Saturno, Urano, Netuno e Plutão descrevendo assim as fases do processo alquímico de uma maneira original e de acordo com o que sabemos do trabalho astrológico. 

Utilizou a bibliografia de Carl Jung e citou estudiosos junguianos como Edward F. Edinger, Marie L. Von Franz, outros da alquimia como M A Atwood e S K De Rola e estudiosos da evolução da consciência, como Joseph Campbell e Eric Neumann. Em sua essência o trabalho alquímico e o da astrologia, ambos tratam da busca pela evolução da consciência para que nossa vida material tenha mais sentido. Pelo menos, essa é uma das possibilidades do trabalho astrológico.

A boa notícia é que essa pesquisa vem sendo desenvolvida há cerca de dezenove anos e aparecerá em livro no início de 2017. Ou seja, esperemos que essa publicação chegue logo mesmo. Ela apresentará aquilo pelo qual, pelo menos eu, tenho ansiado desde muito tempo. 

Outra boa notícia é que tal pesquisa é uma das que se pode desenvolver a respeito dessa relação tão interessante quanto viável entre astrologia e alquimia. O campo sempre estará aberto a muitas abordagens.
  
Uma última nota. O clima de Oxford , que lembra o bruxinho Harry Potter e todas as magias, combinava com o clima do Exeter College onde se realizou o seminário. Eu juro que qualquer pessoa que estivesse lá, teria a impressão que eu tive de que sairia de lá com uma varinha capaz de todas as magias.  

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

SHAKESPEARE, O MECENAS MODERNO E EU

Detalhe da decoração
Temos curiosidades em viagens, sem explicações racionais. Impulsos, desejos, inquietações nos movem por distancias não calculadas, dificuldades a serem ultrapassadas. Será bom? Quanto tempo? Tais perguntas, nesses casos, não entram nos planos. Naquele dia, eu gastaria o tempo do mundo e suportaria dificuldades de todo o tipo se necessário. O destino era o The Globe do Shakespeare, em Londres. Nada mais importava. Lá encontrei Shakespeare e também Sam Wanamaker, um idealista.


O desejo e mais

Era calor de verão, uma sexta feira de agosto e meu desejo era conhecer o The Globe Shakespeare. Na véspera perguntara qual era o melhor caminho que me foi indicado em papéis com o nome das estações e linhas de metrô. Longos corredores, escadas rolantes, comunicação visual, tudo funcionou bem. 

Encontrei mais do que eu imaginava. Um museu com moderna tecnologia apresentava Londres do século XVII, hábitos e costumes de sua população de cerca de 200 000 habitantes. Ainda as roupas usadas pelos atores, maquiagem e os instrumentos musicais de época. Somente os homens atuavam. Como seria assistir Julieta ou Ofélia de Hamlet ou Lady Macbeth com voz de homem? Sorri. Quase ri. 

Uma visita guiada pelo teatro nos mostrou outros detalhes do trabalho de reconstrução e curiosidades dessa época em que o teatro era bastante popular, uma forma de diversão acessível a todas as camadas sociais. Londres contava com várias salas de espetáculo. O primeiro teatro inglês foi construído em 1576. O The Globe original em 1599 no Bankside, às margens do rio Tâmisa, local conhecido como o Soho de Londres elizabetana.

Destruído por um incêndio em 1613 foi logo reconstruído e fechado para sempre pelo governo inglês puritano em 1642. Além dos teatros, havia tavernas, bordéis, jogo. Incomodavam. 

O que ocorreu depois?
 
personagem essencial

Fui recriando o clima da época. As peças do museu, a gravação e pequenos documentários, as explicações do guia na visita guiada. Tudo colaborou. História revivida.

Quem teria sido o responsável por essa reconstrução?

Palco com artistas treinando cena
Personagem interessante, Sam Wanamaker (1919-1993) foi um diretor, ator e produtor americano que teve como primeira experiência no teatro, bem jovem, uma peça de Shakespeare. Esse início teria marcado toda sua carreira, uma intensa vida artística. Peças na Broadway, filmes em Hollywood, óperas, séries de TV nos EUA e também na Inglaterra para onde acabou se mudando. Por tudo isso e ainda o projeto do The Globe, ele foi homenageado por comendas e prêmios de toda a sorte. Talvez o início de sua carreira já fosse sinal dessa grande obra. 

Em 1949, na Inglaterra, procurou por Shakespeare. Encontrou uma placa envelhecida na parede de uma fábrica de cerveja desativada. Teria sido naquele local o teatro original em que Shakespeare teria iniciado sua carreira. Como assim? Só isso?, ele deve ter se se perguntado inconformado. Decepção. 

Vinte e um anos depois, em 1970, ele lançou uma organização que seria responsável pela construção do teatro, de um centro de documentação, de educação e de exibição permanente do repertório shakespeariano. Era um grande projeto e foram necessários esforços maiores ainda para que ele se concretizasse.

Durante 23 anos levantou fundos e acompanhou o projeto de reconstrução e resgate da memória. As escavações arqueológicas, a pesquisa nos relatos de viajantes e detalhes nos textos das peças foram formando o que vemos hoje em dia, um desenho que deve ser bem próximo do que teria sido o original conforme era a sua intenção. Eu descobrira uma espécie de mecenas moderno.
A obra foi inaugurada em 1997, quatro anos depois da morte de seu idealizador. Mas, lá estava ele perto de mim, durante a minha visita, presente em todos os detalhes.

Pelos corredores do museu, pelas salas, lá estava ele a sussurrar que Shakespeare deve permanecer vivo. Diz que sua arte expressa a natureza humana em todas as suas formas dramáticas e emocionais. 

O The Globe é fruto desse trabalho que tenta recuperar e homenagear a herança shakespeariana. Sam Wanamaker é uma espécie de mecenas do século vinte. Desde a Antiguidade romana, dos tempos do Imperador Augusto, passando pelo Renascimento, homens colaboram com a arte.  Hoje devemos a ele esse resgate de Shakespeare, a despeito de todas as dúvidas e polêmicas que existem a respeito do artista. 

O teatro hoje
No final da visita guiada, houve a pergunta mais do que adequada nos dias de hoje: Como fazer para que os jovens gostem de peças de Shakespeare? O guia foi passando por argumentos e depois de escolher bem as palavras, finalizou:“ Não há maneira mais segura do que levá-los a representar e ler os textos originais”. Elementar, meu caro Watson!

 Essa é a magia que se pode e deve esperar do teatro de Shakespeare. E também de toda expressão artística. A experiência da obra de arte pela vivência da emoção que ela expressa. Assim é Shakespeare, expressando a natureza humana em todos os seus detalhes. A arte em toda a sua grandeza. Shakespeare em toda a sua genialidade. 

Indo embora, olhando as águas do rio Tâmisa, meu corpo estava relaxado. Mente e coração, satisfeitos. Nessas horas, um sorriso pode até sair de nossos lábios, sozinho, autônomo na alegria. Foi assim mesmo. Um sorriso de puro contentamento.
 
PS: Visite o site: http://www.shakespearesglobe.com/
  

 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

OS RIOS DA MINHA VIAGEM

Tejo
Cada viagem tem um jeito, uma marca. Os rios deram o tom desta viagem. Foi sem planejamento e me vi diante de vários deles, andando por suas margens.

Percorri as margens do Douro no Porto, o Tâmisa em Londres e o Tejo em Lisboa.

O pequeno rio em Oxford? Era o Tâmisa antes de ser grande. Desci as ruas desde o centro histórico na direção do vale onde ele passa. Não muito longe, cheguei à ponte. Não quis atravessar e, então, procurei pelas margens. Encontrei um caminho chegado às casas que margeiam o rio e que por isso têm uma visão privilegiada dele. Passagens apertadas que funcionam para dar acesso à vizinhança que mora por lá. Casas grandes, antigas, que margeiam as águas de um rio apertado entre o casario da parte mais nova da cidade. Não devem ser bem aceitas pessoas estranhas à intimidade daqueles arbustos. Minha curiosidade era um abuso. Barcos pequenos passavam em suas águas, pouco largas. Ele iria crescer muito ao longo de seu caminho. 

Tâmisa
Em Londres, ele é imenso, caudaloso. É  maior de idade. Andar pelas margens do Tâmisa no verão é uma festa. Barcos passeiam viajantes que, como eu, olham a cidade. E ouvem (ou não) as explicações dos guias cheias de piadas britânicas. Talvez seja difícil para o estrangeiro entender as nuances irônicas desse humor, mas quem se importa? O rio Tâmisa fala a linguagem de Londres e nós a entendemos. 

Enquanto meus olhos acompanham as pontes, as edificações potentes das pedras e arquitetura londrinas, minha imaginação anda pelas histórias de reis e rainhas que duram muito tempo, em um império que, dizem, foi cruel como muitos outros. Shakespeare às margens dele, pensa seus personagens e cria ficções humanas que durariam muitos séculos.

O Tejo em Lisboa mais parece mar. Mas quando nasce na Espanha leva o nome Tajo. Quando chegamos a sua borda logo da enorme praça do Comércio podemos jurar que é o mar.  Dizem que a estátua de d. José I foi planejada depois da destruição do grande sismo de 1755. A cidade destruída passou por reconstrução e o Tejo acompanhou tudo como testemunha.  Talvez dele venha a coragem de reconstrução de sua cidade e dele também tenha vindo a  inspiração para aos viajantes que desde cedo foram aos mares para descobrir mundos. 

Na época dos descobrimentos, Portugal era uma espécie de cabeça da Europa  voltada para o mar. Era ali que os desejos dos portugueses se voltavam para os espaços abertos na busca de destinos desconhecidos.

Douro
Por sua vez, o rio Douro, no Porto, é abraçado pelo Cais da Ribeira. Por montes e montanhas, ele vem de terras espanholas e construiu um microclima especial para os azeites e vinhos de seu lugar de origem, até os entrepostos de distribuição. Os tonéis são carregados por barcos de desenho elegante. Antigo e delicado. Por caminhos estreitados pela geografia. É um rio que teve que lutar para seguir forte. Parece que não houve mudança nesse transporte ao longo do tempo. Talvez também não tenha mudado o gosto de seus produtos. Deve ser por essa riqueza que a cidade apresenta hoje muitas obras de restauro em suas edificações. Resgate de uma história, guardadora de  memória e cultura.

Todo rio é inspiração para uma cidade. Os homens os escolhem porque precisam dele. E ele generosamente se oferece para ser caminho e vida.

Foi a viagem das bordas dos rios. 

Eles têm um começo, um meio e um fim. Suas águas engrossam desde a nascente e tomam da terra mais e mais. Até que suas margens se alargam. Guimarães Rosa diz que há uma terceira margem, complexidade e mistério. Desconfio que sim. Quem sabe há até mais margens do que essas três?

Na verdade, viajar não é somente explorar cidades, parques, estradas e montanhas. Explorar geograficamente os espaços é apenas parte de uma experiência maior.